quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Carnaval de BH: espasmo de alegria ou materialização do cotidiano?

Creio não haver necessidade de uma leitura geral do modo como o carnaval tem se construído em nosso país. Eu indico um texto escrito por Ronald Augusto com o título "A invenção desse e de outros Carnavais". E também não vejo uma necessidade em ler o modo como a prefeitura de BH tem se ausentado nesse evento tão importante, esse papel já foi feito pelo meu amigo Bruno Vieira, é só dar uma olhadinha aqui: "O Carnaval, o Carnaval, o Carnaval".

Eu já havia realizado uma pequena leitura sobre vários eventos realizados em Belo Horizonte nesse post aqui e ao ler o texto do Bruno fiquei pensando nisso. É impressionante como um evento que foi tão lindo como os desfiles das escolas de samba em BH ainda ressaltam os mesmo problemas que eu havia notado durante o show do Andrea Bocceli: um evento excludente. Afinal, só existe a necessidade em colocar muros de metais e catracas na praça da Estação, em um espaço (público diga-se de passagem) onde a seleção mínima de quem pode circular está colocada. Alguns poderiam me questionar: Mas como fazer com um desfile, no qual existe uma necessidade de um espaço mínimo para a circulação das escolas de samba? É um dilema, ao qual sinceramente, não tenho uma resposta pronta. Mas essa resposta passa pelo convite por parte da prefeitura em dialogar com os sujeitos que participam do desfile. Contudo, não acredito em um possível diálogo produzido pela prefeitura de BH, para que não pensem que estou exagerando e para exemplificar minha desilusão com o gestor de BH (expresso em seu prefeito, mas também em outr@s tantos envolvidos), mostro um pequeno vídeo entre vários existentes sobre o prefeito. Obviamente existem outros atores ( escolas de samba e outras entidades) envolvidos nesse processo para esses só existe uma saída: continuar ocupando os espaços públicos, em todos os sentidos pensados e desenvolvidos.

Aliás, é preciso reiterar minha alegria em ver meus amigos participando desse momento. Foi muito bonito ver tantas notícias divulgando o sucesso dos desfiles das escolas de samba em BH.



O Carnaval em BH manifesta algo que está em nosso cotidiano, digo isso pensando nos blocos de rua, dos quais pude participar de alguns e também notícias de vários blocos que aconteciam na cidade desde o dia 02 de fevereiro. Existia em todos esses blocos uma energia muito interessante e a intenção de (re)inventar o carnaval além da intenção de ocupar nossas ruas, apesar de algumas tensões e dilemas sempre colocados nesse movimento - dos quais não incluo a incompetência da administração municipal por motivos óbvios - que só podem ser superados em seu enfrentamento e não na exclusão ou no cerceamento na ocupação dos espaços de sociabilidade.

Um exemplo desse cerceamento está na "república da masturbação" vivida no momento em que maior clássico do nosso Estado, Atlético x Cruzeiro, foram realizados com apenas uma torcida só e irradiavam a incapacidade dos poderes públicos e a sociedade em enfrentar o problema da violência como um fenômeno social/político/econômico e não um dilema isolado e restrito ao futebol. Ainda sobre episódio vi e li muitos jornalistas utilizando o discurso fatalista "não existe outra solução..." e revelando, em minha opinião, um atestado de nossa incapacidade em conviver em sociedade, e também revelando um modo em perceber a cidade que precisa ser questionado.

Os blocos carnavalescos me ensinaram a necessidade em não ler o carnaval como um espasmo social, como tão bem me ensinou E.P. Thompson em seu texto "economia moral da multidão inglesa no século XVIII". Ou seja, o carnaval é também mais um momento de questionar nossa vida, nossa relação com os outros e não somente uma possibilidade em amenizar os sofrimentos, um momento de alienação, ou ainda o ópio do povo. Como o Ronald mostrou no seu texto (aquele que citei acima...), o carnaval é conjugado no plural e e esses, (como o poeta nos lembra, parafraseando Fred 04 do Mundo Livre s/a) são uma grande invenção. Afinal, não é gratuito a concentração do  bloco então em uma região tratada com tanto preconceito como a região da Lagoinha, por exemplo, região onde se encontram os sujeitos tratados como sub raça: moradores de rua, profissionais do sexo etc.






Mesmo com o desinteresse dos órgãos públicos em relação ao carnaval em BH, num momento em que a alternativa para muitos é sim, sair da cidade, foi muito legal testemunhar uma manifestação que não se limitou a região central de BH ou ao bairro de Santa Tereza, testemunhei uma festa linda no Bairro Concórdia, famoso pelo seu futebol, uma festa envolvendo pessoas diferentes e também oferecendo para muitos (me incluo demais nisso) uma nova experiencia. Aliás, o trajeto do bloco "Filhos de Tcha Tcha", mostra sim, os dilemas da cidade, que precisam ser encarados sem nenhum glamour mas que também desmistificam os estigmas que sempre envolvem as pessoas que possuem menor poder aquisitivo econômico, destrói (ou pelo menos busca isso) a mentalidade que apresenta a favela como um lugar habitado por pessoas violentas, mas também mostram como devemos lutar por melhores condições para todos, deixando de lado o fetiche construído pelos turistas que frequentam os morros que nesse processo somente reificam os moradores desses espaços. No mais, o ponto mais importante, foi lindo ver a festa que foi tão bem concluída com um espaço testemunha de tantas festas lindas dessa comunidade: o campo do Inconfidência. O olhar ainda viciado desse observador, vai deixar de irradiar outras tantas coisas lindas que acontecem nesse Bairro, mas, deixo aqui mais um pouco do que eu e Bruno registramos nesse dia.










Essa foto é do meu amigo Bruno Vieira... As outras, são minhas!

Fui totalmente impactado pelas experiencias carnavalescas. Mais uma vez pude vivenciar os espaços públicos, com todos seus dilemas e possibilidades, assim como tenho assistido várias ações pelas cidades em reinventar a cidade. Para encerrar mais um texto torto, pensei em duas imagens. Dois convites sobre a cidade. O primeiro relata a necessidade em destruir "uma" cidade. Sim, essa cidade fruto da exclusão, essa cidade vivida por poucos, essa cidade que ressalta o privilégio a poucos em ocupá-la (não preciso lembrar novamente o dilema posto no "novo" Mineirão e sua "arena" e os sinais da exclusão dos torcedores humildes...) e tenta a todo tempo esconder os corpos indesejáveis que nela não mais poderão habitar (mas essas pessoas sempre resistirão! Sempre!). Obviamente, não estou com isso idealizando uma cidade, mas ressaltando a necessidade de uma cidade que seja um convite para a diverCidade de experiências!
O segundo convite é a ocupação da cidade, a necessidade em (ao contrario do que pensa o "democrático" prefeito) fazer política e ocupar todas as instancias coletivas por nós experimentadas: escola, estádio de futebol, ônibus, praças que nem mesmo as catracas e os muros poderão silenciar!
Enfim, carnaval não se limita aos lindos dias em que os blocos estão nas ruas... Nossos blocos vão passar todos os dias e neles continuaremos sonhando (e vivendo!) por dias melhores nos quais, como me lembrou um dia minha amiga Laila, citando Clarice Lispector: "Liberdade é pouco! O que eu quero não tem nome!".


O primeiro convite: Destruir a cidade! Aquela que nos exclui e nos separa!
Sempre! Ocupar, produzir e resistir!