quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Bom, estreando esse espaço, gostaria de colocar o comentário do autor do texto abaixo!

"Luciano!
Não consegui fazer um comentário em seu blog. Mas, queria te agradecer pela
deferência em divulgar meu texto, em especial na inauguração do seu blog!
Desejo muito sucesso no projeto. Fique à vontade para colocar lá meu
comentário, caso deseje.
Um abraço grande,
alexandre."

Vamo que vamo que som não pode parar!! Continuaremos o debate sobre os fragmentos do mundo!!

Abraços!


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Mais um inicio...

Bom, após alguns atrasos (devido a facul, leituras, o Galo... rs...) começo a dialogar com alguns dos "conflitos iminentes" presentes em nosso cotidiano... Estou pensando nesse blog, como um espaço de trocas, um espaço onde conversar sobre nosso cotidiano, como ele vêm sendo construido...


Vou tentar (vejam bem... tentar) postar algo novo todo dia, mas sei que isso será impossivel e todos nós sabemos o porquê...


Começo essas reflexões com um texto do Professor Alexandre Vaz - professor da UFSC... Um cara que é uma referência para a minha formação...


Dessa forma, boa leitura!!

Abraços!!


Luciano J.J


PS: Esse texto foi publicado no "Diário Catarinense" no dia 29 de nevembro de 2008 e pode ser encontrado no seguinte endereço:



Da normalidade da barbárie

Dos veces junio, de Martín Kohan, relembra a ditadura argentina em livro que conta uma outra Copa de 1978

Há pouco mais de 30 anos, em junho de 1978, disputava-se a Copa do Mundo de Futebol na Argentina, país cuja seleção venceria a competição em final disputada, em clima de comoção nacional, contra a Holanda. Finalmente a Argentina chegava ao triunfo maior do mundo futebolístico, depois um vice-campeonato logo na primeira edição dos mundiais, em 1930, de muitas vitórias em competições internacionais de clubes, de figurar como principal força nos anos 1940, quando não houve Copas por causa da Segunda Guerra. Na fase semifinal da competição, os argentinos haviam enfrentado o selecionado brasileiro naquela que ficou conhecida como a "Batalha de Rosário", partida disputada em campo lamacento, com pouca técnica e muita rispidez de ambos os lados. Os argentinos se depararam com os brasileiros fora de Buenos Aires, onde, como país anfitrião, sediavam seus jogos, porque haviam sido surpreendentemente derrotados pelos italianos na fase inicial.

A Copa de 1978 e, em especial, a derrota para a Itália - esta que levou argentinos e brasileiros a se encontrarem antes da final - são a moldura da narrativa do bonaerense Martín Kohan em Dos veces junio (Buenos Aires, Editorial Sudamericana), novela de breve texto, de 2002, e publicada no Brasil três anos depois. Ela faz um par eletivo fundamental com livro posterior de Kohan, Ciencias Morales, laureado com o prestigioso prêmio Herralde de 2007.

Trata-se, nesse caso, de momento anunciado no final do primeiro livro, uma segunda vez, como no conto de Cortázar, mas quatro anos mais tarde: um novo mundial, desta vez com campanha muito fraca; uma guerra, a das Malvinas, cujos processos e resultados só serviram para confirmar não apenas a tragédia anunciada de uma derrota, mas uma catástrofe para emascular definitivamente a auto-imagem argentina, na figura do general embriagado na Casa Rosada, mas, sobretudo, na dos jovens soldados mortos, mutilados e enlouquecidos. Em um país tão afeito a manifestações nacionalistas, para o qual "As Malvinas sempre foram, são e serão argentinas" - até hoje no "dia do hino" é executado o das Malvinas, assim como o serviço de previsão do tempo na televisão se ocupa das intempéries climáticas do arquipélago, como se ainda fosse ele território argentino - , o Mundial e a Guerra no sul do mundo compõem um quadro que, para além do ciclotímico movimento entre euforia e desalento, traz algo a saber sobre o país vizinho, suas expectativas, seu destino. Mas não é só a Argentina que se deixa mostrar de forma catastrófica no romance de Martín Kohan, já que, não apenas por um efeito especular, trata-se de algo em que diz respeito não menos do que à humanidade.

Dos veces junio é narrado por um jovem recruta no serviço militar. Ele pretende estudar medicina logo após a colimba, que como é chamado, informalmente, o período destinado à preparação para servir à essa ficção macabra chamada "pátria". Depois de deixar os pais emocionados ao terem ouvido seu nome na lista de sorteados - é incrível a quantidade de "listas" que as ditaduras elaboram - , e ouvir todo um anedotário a respeito das relações entre recrutas e esposas de oficiais, algo que lhe constrange, o personagem se vê incumbido de atuar como motorista de um oficial médico, o Doutor Messiano.

Tudo de desenrola numa dinâmica que segue a narrativa do conscrito que guia um Ford Falcon pela Grande Buenos Aires, naquelas poucas horas que vão de uma questão inicial formulada como consulta técnica de um médico a outro, ambos comprometidos com o aparato da tortura, até sua resposta e desfecho alucinados, no dia seguinte à derrota da seleção argentina. Depois, o epílogo de quatro anos mais tarde. Mas há quase uma outra narrativa, paralela, intercalada com os pensamentos do jovem motorista, um discurso oficialista que ganha ares grotescos e fala de orientações técnicas sobre as possibilidades de tortura de uma mulher que recém dá a luz, da escalação da equipe de futebol argentina, ou ainda da precisão de balanças, aparelhos adequados para definir a massa de um corpo. Essas descrições e quase divagações técnicas aparecem freqüentemente em parágrafos intercalados à narrativa do recruta, o que, ao contrário de contrastar, corresponde ao formalismo adestrado de seu pensamento. É como se tudo não passasse de um problema a ser resolvido, uma tarefa a ser cumprida de maneira eficiente, mais ou menos um passo antes do que como na atuação dos gerentes medíocres do nacional-socialismo, tal como descreveu e analisou Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, livro-reportagem sobre o principal administrador da máquina de extermínio do Terceiro Reich. É em clima de tecnicalidade e de divagações impactantes porque quase infantis mas muito bem comportadas do recruta, de sua paciência e diligência no cumprimento das tarefas, suas pequenas e vagarosas e detalhadas satisfações alcançadas no respeito e no afeto que lhe deposita, mesmo com a distância típica dos verdadeiros homens, o Doutor Messiano, que tudo que é bárbaro e sombrio aparece: a normalidade dos pequenos papéis, a óbvia expectativa da vitória esportiva - cuja consecução o livro despreza ao não citá-la - , o pudor que tolera sem propriamente aprovar a arrogância nas relações hierárquicas, o evidente respeito e cortesia no trato. Tudo isso expõe as vísceras de uma normalidade grotesca, irracional e insultante, essa mesma sem a qual uma ditadura não sobrevive.

Mas há o anticlímax, a derrota imprevista frente à seleção da Itália, quiçá porque o goleiro não era Hugo Gatti, do Boca Juniors, mas Ubaldo Fillol, do River Plate, como pondera o Doutor Messiano. Ele, aliás, está no estádio "Monumental" de Nuñez, onde seria depois a final, compungido como (quase) todos, dentro e fora do estádio - há o recruta mais preocupado com sua obrigação de encontrar o chefe, há o ouvinte do rádio que, como um colegial matreiro, finge acompanhar o jogo, mas escuta música, mas quase ninguém mais alheado da partida. Ao final do jogo, o Doutor Messiano é encontrado por seu motorista: a ele se procura porque a consulta técnica deve ser respondida. Mas o Doutor Messiano não quer saber de nenhuma atividade médica antes de "salvar a noite", como insiste em dizer. Portanto, é preciso ir à outra face da tortura, ilustrada por uma noitada de gozos com senhoritas. A pornografia não deixa dúvidas, assim como a tortura, ao narrar que as marcas do corpo não permitirão, jamais, que a vítima esqueça.

É preciso sempre voltar a tentar dizer o quanto a literatura pode dizer do indizível. Martín Kohan é bastante econômico nos episódios sangrentos, não deixando que a dor se vulgarize. Ao contrário, ao mimetizar na forma simultaneamente compacta e demorada, a superfície dos diálogos educados e viris, as questões técnicas e a rotina, alcança o fundo da experiência subjetiva de se defrontar com o mal. É na banalidade do pensamento, sempre conservador, do recruta, ou nas ações, sempre se pretendendo exemplares, do Doutor Messiano, que se materializa todo o horror. Ambos satisfeitos com as receitas e respostas técnicas, evidentemente corretas em relação a problemas que lhes parecem quase prosaicos, como, por exemplo, a má redação de uma nota em um caderno de registro militar, cujo conteúdo pouco importa, mesmo que seja uma pergunta sobre a idade necessária para se começar a torturar uma criança. Mesmo que a resposta, que só é sugerida, mas não encontrada, depois do jogo entre Argentina e Itália, seja discutida pelo Doutor Messiano com o colega, o Doutor Padilla, em termos "médicos": tratar-se-ia não de um problema cronológico, mas de alcance de peso, como um animal que engorda para o abate. Tratar-se-ia de um problema familiar, de uma irmã que, apesar das várias tentativas, não pudera gerar filhos.

Se o esquecimento é arma fundamental de todos as ditaduras, rememorar é prática de resistência. Esse movimento, que tem na força expressiva da arte um lugar possível, encontra na literatura de Martín Kohan uma forma singular. Não se trata aqui de estetizar a barbárie, porque não há acordo que busque o apaziguamento do leitor. Em tempos em que o debate entre nós outra vez volta de forma mais aguda para aquilo que nunca foi resolvido - mas que se quer esquecer - , seria o caso de observar, até que ponto a razão técnica não eclipsa o pensamento. Mas também, pior que tudo, até onde ela não, outra vez, justificativa da dor e do sofrimento.

* Professor do Centro de Ciências da Educação da UFSC; pesquisador CNPq

ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ *


esse texto pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2311875.xml&template=3898.dwt&edition=11200