terça-feira, 4 de junho de 2013

Sobre torcedores e espectadores: que futebol queremos?

Ken Loach se notabilizou como um diretor que tem como foco a construção de tramas que retratam a vida da classe trabalhadora. Tenho um carinho muito grande por esse cara que possui o mesmo objetivo que pensadores como E.P. Thompson, Emile Zola, João Antonio... Esse, dentre vários outros, gostam de pensar, irradiar, colorir as questões, os dilemas, as contradições vividas pelas classes trabalhadoras em seus países. Mas voltando a Ken Loach, esse cara dirigiu um filme que eu gosto muito (na verdade um dos únicos que vi, confesso preciso conhecer melhor a sua obra...) chamado "looking for Eric", no Brasil intitulado "A procura de Eric". Essa trama conta um pouco da vida do carteiro Eric, torcedor do Manchester United e que possui uma vida bem conturbada, os filhos vivendo os dilemas da juventude e ele [Eric] sem saber o que fazer e ainda separado da mulher que ele ama tanto. No meio desse turbilhão, ele tem vários encontros com o Rei, Eric Cantona, jogador Francês, ídolo do Manchester United. Na verdade, os encontros com o Rei são aparições "ilusórias", e eu fiquei com a impressão de que isso acontece (também) pelo uso da maconha roubada de um dos filhos de Eric. Eric Cantona  é um jogador que está entre os grandes ídolos do futebol mundial, polêmico, sem clichês e com uma consciência politico-social muito interessante (recomendo o documentário narrado por ele chamado "rebeldes do futebol" o trailer pode ser visto aqui.) Não vou falar muito desse filme, mas recomendo demais esse filme!

Sigo mais um texto torto com uma cena muito importante desse filme. A qual remete ao modo como alguns países estão pensando o modo como o futebol deve ser vivido. Sem muita coisa, veja a cena abaixo:



Várias são as impressões presentes nessa cena. A primeira sobre as modificações presentes em alguns clubes e as parcerias entre os clubes ingleses e algumas grandes empresas. Nesse caso, o amigo de Eric é um "torcedor" do FC United. Na verdade, ao fim da cena percebe-se que ele é Manchester United, afinal, como já foi lembrado no belíssimo filme "segredo dos seus olhos": não se muda uma paixão. Mas isso fica pra outra Conversa.

Voltando a cena postada acima, é possível pensar em outro ponto. Afinal, depois das modificações no futebol inglês, com o Relatório Taylor (anos depois visto como uma grande farsa, com podemos ver aqui) e as demais políticas de Margaret Thatcher (afinal, todas estão intimamente ligadas... Assim, como a BH dos Muros de um certo prefeito socialista), o torcedor humilde foi excluído e os carros que se encontram no lendário Old Trafford, não são mais os seus. o futebol inglês, assim como tantos outros se elitizou.

O mesmo passo parece ser seguido pelo futebol brasileiro. próximos de uma copa do mundo que parece deixar poucos legados, assistimos várias bizarrices: privatização de estádios, processos de desapropriações de famílias humildes, aumento do preço de ingressos... E tudo isso por conta de uma copa do mundo... De fato Jerome Valcke tem razão... A afinal "menos democracia ajuda na organização de uma copa do mundo".

A geral, setor próximo ao campo e com os preços mais baratos, foi extinta em vários estádios brasileiros. Assim, os torcedores humildes provavelmente estarão muito longe das novas "Arenas". A avalanche gremista parece estar com os dias contados, as torcidas organizadas - geralmente analisadas de modo equivocado pelos "especialistas" - sempre são criminalizadas... E tudo isso parece acontecer em nome da "modernização" do futebol brasileiro. E isso sem contar o ponto que é o mais importante: os preços dos ingressos não cabem no bolso de quem no ano de 1984, poderia pagar menos de duas latas de óleo por um ingresso (veja aqui).

Para arrematar esse texto torto, penso em uma foto que está no texto sobre o carnaval em BH lanço a  seguinte questão: que futebol queremos? Afinal, quando pensamos o futebol, pensamos a cidade que queremos construir. Sempre tive a hipótese que o processo de (re)construção do futebol brasileiro, caminha de mãos dadas com outras tantas políticas sobre e para a cidade. Basta lembrar a higienização que assistimos na Africa do Sul, durante... Uma copa do mundo! E disseram, que o apartheid acabou... Vejam...




Outra violência é a negação de direitos para várias famílias gauchas... Homens, mulheres e crianças estão sendo expulsas de seus lares. Em nome de que? Do capital? Deixo o Link de uma parte das série de reportagens, também realizadas pela ESPN Aqui: 1ª parte e 2ª parte.

 Outras vozes, creio que vozes hegemônicas (pelo menos com maior abrangência nos meios de comunicação), parecem ser favoráveis a esse processo, dentre eles destaco a imprensa esportiva. Assim, o título desse texto não é gratuito, vejo a mudança daqueles que vivem o futebol: os torcedores, apaixonados (capazes de mudar resultados de jogos, basta lembrar do ultimo jogo entre Barcelona e Bayern de Munique e suas respectivas torcidas) parecem sair de cena dando lugar aos passivos espectadores (Qualquer jogo da seleção da CBF, ou a torcida do Barcelona mostram isso). Vejamos um comentário emblemático sobre essa modificação, dada por Alberto Helena Jr:

"O estádio, como arena, um teatro grego, era uma praça pública onde o povo ia para se manifestar, porque você não tinha outro veículo de comunicação. Hoje em dia, o futebol, que é um entretenimento de massa, encontra o seu palco na televisão, que alcança as grandes multidões e todas as categorias sociais. O estádio passou a ser o teatro e a receber uma ínfima parte do torcedor. E essa pequena parte tem que fazer parte do espetáculo, então a tendência natural é a grande massa vendo futebol pela TV e uma elite nos estádios".

O desenvolvimento desse debate está nesse link aqui.

Pode soar pedante, mas vindo de um jornalista vinculado (esse e tantos outros discursos, sempre elogiosos as novas "arenas") ao grande conglomerado dos canais globo é preciso suspeitar... Esses discursos não estão deslocados de outros interesses... Basta lembrar que outro comentarista dos canais globo, o senhor Ronaldo Nazário é membro da comissão organizadora da copa. Isenção e ética, a gente vê por aqui. Imagino que as contradições que assistimos todos os dias, são ignoradas pelo maior canal midiático de nosso país. Mas como diria Chico Buarque lembrado pelo jornalista Lúcio de Castro: É "a voz do dono e o dono da voz"... De quem será a voz, que fala sobre a copa? Não é a minha e nem a de milhares de brasileiros...

Mais do que tomar partido, precisamos pensar no modo como o futebol vem sendo tratado no Brasil. Não quero estádios desconfortáveis, com banheiros sujos, sem condição de receber torcedores... Mas deveríamos refletir sobre qual o caminho o futebol brasileiro está seguindo. Já que vejo tantos gestores vomitando o termo "legado", refaço a mesma pergunta para as pessoas que pensam não só o futebol, mas a cidade: Qual o legado estamos deixando? Que cidade estamos construindo? A cidade do encontro? Ou a cidade da exceção? Dos ricos, das grandes empresas e corporações... E pensando no filme de Ken Loach, basta olhar para o estacionamento do Mineirão ou do Maracanã... Maracanã, nome de origem indígena ( e a aldeia Maracanã??) e que carregará suas origens somente no nome e nos carros de luxo estacionados.