sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sobre o pior dia do Ano...

Recordar nunca é demais...

Bom, alguem aí se lembra da invasão digna dos tempos da ditadura militar ao Instituto de Geociências da UFMG (IGC)???? Não lembra? não tem problema... vou publicar aqui o que aconteceu nesse dia...


Penso ser necessário começar refletindo o que aconteceu no dia 03/04/08.

Primeiro a minha sensação...

Esse dia eu estava na Faculdade de Educação, fechando alguns assunto de pesquisa. Eram aproximadamente 18:00, quando percebo um numero de viaturas dentro do Campus (o que é absurdo, já que a Universidade Federal é um espaço FEDERAL e quando acontece algo lá dentro quem a aparece? os federais!!!). Como no ano anterior eu me percebi na mira da arma de um policial, pensei "sou preto logo me grampeam, vou embora." Entro no ônibus e quando passo em frente ao IGC vejo, juro por Deus, um grande numero de viaturas, um Helicoptero, vários policiais... Minha primeira reação foi "Puta que pariu, mataram o Mateus (meu amigo estudante do curso de geografia e militante do movimento estudantil)" Porém, esses são os fatos que eu percebi, dentro do ônibus, atônito e impotente...



Contudo, vale a pena analisar o que aconteceu lá no Instituto de Geociências...


Primeiramente, o video no qual um Estudante é preso por "desacato a autoridade"





E os videos da "ação policial" digna de Hollywood, ou Max Payne no IGC...













Bom, o que aconteceu nesse momento foi o seguinte: Os alunos do IGC queriam passar o filme ‘Grass Maconha’ (um documentário da revista superinteressante), ao que parece a diretoria do IGC não permitiu a exibição do filme alegando que o conteudo do filme fazia apoligia ao uso da maconha. Como a diretoria do IGC não "permitiu" a exibição do filme, a segurança da univerdidade foi acionada e posteriormente a policia foi "chamada".

As vozes oficiais dizem:

fonte - http://www.ufmg.br/online/arquivos/008164.shtml

COMUNICADO DA REITORIA À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

sexta-feira, 4 de abril de 2008, às 11h44

No dia 2 de abril, p.p., a Reitora em exercício, Professora Heloisa Maria Murgel Starling, recebeu o ofício IGC nº 086/2008, da Diretora do Instituto de Geociências, no seguinte teor: “Conforme documentação anexa, enviada à Procuradoria Jurídica, informamos que está programada a exibição do filme ‘Grass Maconha’ na arena deste Instituto de Geociência, amanhã – 03 de abril, às 17h30. Esclarecemos que esta atividade não foi autorizada pela Diretoria, conforme e-mails enviados ao Diretório Acadêmico, que informou não ser responsável pela programação do mesmo. Em função da demonstração do discente Wander Lúcio Mourão Júnior – matrícula 2003022630, que não é integrante do Diretório Acadêmico, em permanecer com os cartazes afixados e afirmar que a exibição do referido filme seria mantida, solicitamos o reforço da segurança universitária nas dependências desta Unidade no dia 03 de abril, a partir das 17 horas.”

Ao ofício acima mencionado foi aposto o seguinte despacho pela Chefia de Gabinete: “De ordem da Reitora em exercício, autorizo que a chefia de Segurança da UFMG garanta o cumprimento da deliberação da Diretora do IGC.”

No final da tarde de ontem, 3 de abril, a Reitoria tomou conhecimento de que a ordem da Diretora do IGC não havia sido respeitada. Ocorria tumulto naquela Unidade Acadêmica, com intervenção da Polícia Militar, agressões entre os presentes, um estudante detido por desacato à autoridade e dois outros encaminhados ao Pronto Socorro, com escoriações.

Frente a tais fatos, a Reitora em exercício imediatamente tomou as seguintes providências: a) entrou em contato com o Comando da Polícia Militar para esclarecer o ocorrido; b) solicitou a presença da Diretora do IGC ao Gabinete para mais esclarecimentos; c) solicitou que o Procurador-Geral, Professor Fernando Jayme, acompanhasse o registro policial relativo ao estudante detido, na Delegacia Adida ao Juizado Especial Criminal –DAJEC; d) solicitou que o Assessor Especial da Reitoria para a área de Saúde, Professor Paulo Pimenta de Figueiredo Filho, acompanhasse os estudantes em atendimento no Pronto Socorro.

A Reitoria lamenta que tais fatos, inteiramente estranhos à civilidade que caracteriza o ambiente acadêmico, tenham ocorrido; repudia qualquer ação de violência praticada; informa que não autorizou nem a presença nem a ação da Polícia Militar e esclarece que serão tomadas providências para apuração dos fatos e das responsabilidades.

Heloísa Maria Murgel Starling
Vice-reitora da UFMG


Diretoria do IGC: essa nota foi colocada na primeira página do sitio do IGC: http://www.igc.ufmg.br/



Ontem, dia 03 de abril à noite, o Instituto de Geociências foi palco de um enfrentamento entre polícia militar e alunos.

O incidente foi iniciado a partir de convocação pública, através de cartazes, feita de forma anônima para realização de atividades na arena do IGC. Estas atividades foram desautorizadas pela Diretoria, tendo em vista o fato de não terem sido previamente acordadas, informação necessária para autorização segundo normas do Instituto e nem terem sido identificados os organizadores, uma vez que o DA/IGC negou participação.

Considerando nossa responsabilidade estatutária e regimental, pelo Instituto de Geociências, frente a rumores de que o filme seria passado à revelia da Direção, solicitamos à Reitoria um reforço da vigilância interna da UFMG. Quando a diretoria foi informada da possibilidade de confronto, imediatamente procedeu à autorização para que o filme fosse exibido, exatamente para evitar que uma discussão interna fosse transformada em problema policial.

A Diretoria do IGC pede desculpas à comunidade do IGC por não ter conseguido evitar o conflito e se solidariza com os alunos e professores que foram, indevidamente, enredados em uma tragédia policialesca, em alguns casos sofrendo agressões morais e físicas. Como sempre fizemos, manteremos nossas portas abertas ao diálogo e desejamos que nunca mais se repita o ocorrido.

Os acontecimentos que levaram destes fatos à entrada da polícia no Campus não estão claros e devem ser apurados, pois o IGC foi invadido por força policial.

A Direção do IGC



Depois dos fatos algumas questões são necessarias:
Como a reitoria pode proibir a exibição de um filme? Ou então manipular o que pode e o que não pode ser exibido na universidade?
Vamos recorrer ao artigo 207 do terceiro capitulo da constituição federativa do Brasil: "
As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão."
Bom, o que eu estranhei foi o fato de haver a necessidade de se pedir permissão para se exibir um filme. Imaginem só, isso funciona mais ou menos como os sindicatos no governo de Getúlio Vargas, que só podia se expressar se o presidente deixasse, ou seja, a liberdade dos alunos é algo que só existe se os professores deixarem ou não... Pensando nisso, como formar professores, profissionais autonomos, se não existe a possibilidade de debates, ou se isso só acontece quando o universidade o faz?

Alguns colegas (alunos...) alegam que os alunos do IGC estavam fazendo "apologia ao uso da maconha". Bom, vamos aos fatos: De acordo com o dicionário.

apologia

do Gr. apologia, defesa, justificação


s. f.,
discurso para louvar, defender ou justificar;
louvor;
defesa.
Engraçado o discurso vomitado... Existe a possibilidade de um discurso não apológico? A não ser que você seja um analfabeto politico... rs...

Na semana da invasão, apenas a faculdade de educação( é por isso que gosto da FaE) se posicionou sobre os fatos... uma olhadinha no conteúdo da carta é imprescindível...

MANISFESTAÇÃO DA CONGREGAÇÃO DA FAE SOBRE A AÇÃO POLICIAL NO IGC

Fonte: http://www.fae.ufmg.br/manifesto_congrega%E7%E3o_fae.doc

A Congregação da Faculdade de Educação, reunida no dia 07/04/08, considerando os fatos ocorridos no IGC no dia 03/04/08, vem à público manifestar sua posição, nos termos que se seguem:

A ação policial de que a Universidade foi vítima é de enorme gravidade. O último precedente dessa natureza aconteceu há mais de 30 anos, na tentativa de realização do Terceiro Encontro Nacional dos Estudantes, na Faculdade de Medicina. Naquela ocasião a polícia invadiu e prendeu os estudantes, sem que nenhum ato de violência fosse praticado, dada a intervenção direta do então Reitor Eduardo Osório Cisalpino que lá esteve e saiu junto aos estudantes quando estes foram levados aos ônibus que os levariam presos. Há que se lembrar a dimensão dos fatos naquela ocasião: o terceiro ENE tentava reorganizar a UNE, banida por lei da Ditadura Militar. Tratava-se portanto de assunto de segurança nacional numa época de Ditadura.

O incidente que gerou a violência de quinta-feira era infinitamente menos grave e de pouca importância para que tivesse gerado o que gerou. Além disso, os estudantes que tentavam fazer a reunião estavam assegurados pela constituição federal, que no seu artigo 5º garante a liberdade de manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato (inciso IV); a liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (inciso IX); e finalmente assegura que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente (inciso XVI).

Consideramos que o incidente reflete a nossa perda de identidade político-acadêmica. Transferimos nosso poder de decisão para outras instâncias. Nesse incidente, houve uma transferência de autoridade dos dirigentes para as forças repressivas (fossem essas a segurança interna ou a polícia). Estamos incorporando em nossas práticas uma visão criminalizadora da juventude, em que qualquer ato de rebeldia é identificado como ameaça à ordem pública. Excessos, radicalismos ocorrem como sempre ocorreram e ocorrerão. Mas a Universidade, e mais exatamente a UFMG, não pode pretender ser para seus alunos apenas o espaço de afirmação da excelência acadêmica. Ela tem um papel de espaço possível de exercício da rebeldia (quanto mais no mundo conformista de hoje), que atravessa a história da juventude e suas expressões.

Além disso, a polícia não pode invadir o campus sem ser convocada pelo(a) reitor(a). A universidade é território federal e a ação da polícia feriu o artigo 144º da Constituição Federal, que prevê as atribuições das diferentes forças policiais. Houve abuso de poder e extrapolação de competência nesse caso. Ao chamado, se por acaso ocorreu, a polícia deveria ter simplesmente respondido que ações na universidade são da competência da polícia federal.

Nesse sentido, a Congregação da Faculdade de Educação manifesta o apoio ao esclarecimento isento das responsabilidades pelo episódio, e solicita que seja exigido da polícia um pedido de desculpas e a apuração e possível punição dos responsáveis. Entendemos que sem esses encaminhamentos a universidade não vai poder curar sua ferida e o estado de direito que atualmente vigora na democracia brasileira terá sido violentado sem maiores conseqüências.

Sala da Congregação da Faculdade de Educação, 07 de abril de 2008


Após tudo isso, houve a ocupação da reitoria pelos estudantes, várias assembléias, debates e uma sindicância foi convocada... Mas, nada foi comprovado, ninguem foi penalizado. Creio apenas em uma coisa, conforme aprendi com Marx, existe uma grande diferença entre aparência e essência... Acho que vivemos em um periodo que talvez seja pior do que a ditadura militar, pois, acreditamos que vivemos em uma sociedade "democrática", onde podemos nos expressar, mas... a primeira possibilidade de um grupo querer pensar de forma diferente o que acontece? o estado apresenta suas armas (vocês se lembram de Eldorado dos carajás? ou dos Chiapas? ou ainda da Palestina?)

Para finalizar essa looooonga postagem uma frase:
"A exigêcia que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a Educação." Theodor Adorno - "Educação após Auschwitz"

Parece que estamos sendo educados no modo "Auschwitz"... A violência ainda continua sendo a unica justificativa... Eu odeio lembrar desse dia, ou da forma como fomos tratados pelos nossos colegas de curso no dia seguinte, me senti pobre, senti que nossa sociedade se contenta com a pobreza, com o empobrecimento de nossas relações... sem mais...

Abraços e tenham todos um ano um pouco melhor...